Violência política contra a mulher é tema do Caminhos da Reportagem dessa semana
A violência política de gênero tem o objetivo de impedir, intimidar ou desencorajar a participação de mulheres na política. É crime no Brasil e tem uma legislação específica desde 2021.
O Caminhos da Reportagem dessa semana traz depoimentos impactantes de mulheres que sofreram, e sofrem, as marcas dessas agressões.
A Lei nº 14.192, de 4 de agosto de 2021, estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, alterando o Código Eleitoral, a Lei dos Partidos Políticos e a Lei das Eleições. O dispositivo visa criminalizar ações que impeçam ou dificultem a participação da mulher na política, incluindo assédio, humilhação e perseguição.
Apesar de a violência política contra as mulheres não ser algo novo, o termo se tornou mais conhecido do público nos últimos anos, após o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco. Há poucos dias, o assunto voltou aos noticiários com o episódio de agressões sofridas pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no Senado Federal. Entre interrupções e falas agressivas dirigidas à ambientalista, políticos disseram que ela deveria “colocar-se em seu lugar” e que não seria respeitada “como ministra”.
A situação expõe uma cultura de desrespeito e menosprezo contra as mulheres que ousam participar da vida política no Brasil. E os dados são ainda mais alarmantes quando se trata de mulheres negras, periféricas ou LGBTQIA+.
As mulheres ocupam apenas 12% das prefeituras e 16% dos assentos nas câmaras de vereadores do país atualmente. De acordo com o Instituto Alziras, estima-se que, no ritmo de crescimento desses indicadores, levaremos 144 anos para alcançar a paridade de gênero no poder executivo municipal. Em 2024, apenas 9% da população brasileira contava com uma prefeita no comando de seu município. Quando o recorte é de raça, apenas 4% das cidades é governada por mulheres negras. Nas casas legislativas, as vereadoras negras são apenas 6% do total de pessoas eleitas.
Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial e irmã de Marielle, descreve essa violência como “uma ferramenta utilizada por pessoas que tentam, de todas as formas, afastar as mulheres do espaço de poder”. Ela lembra uma conversa que teve com a deputada federal Benedita da Silva, para a pesquisa de violência política de gênero e raça do Instituto Marielle Franco. Benedita disse: “eu vivi a violência política e vivo até hoje, com 44 anos de política, mas eu não sabia nomear o que era”.
Benedita não é a única a relatar que sofre essa violência há muito tempo, mesmo antes de existir um termo específico para descrevê-la. Jandira Feghali, que está na política desde a década de 1980, também relata situações parecidas. “A gente vivia as violências, mas não dava esse nome. Em geral, são violências que ocorrem contra mulheres que protagonizam qualquer atividade política. Seja no sindicato, na comunidade, no parlamento, no executivo. O meu primeiro episódio de violência política de gênero foi em 92, quando eu pedi minha licença-maternidade na Câmara Federal e foi negada”, conta.
Ana Cláudia Jaquetto Pereira, analista de programas da ONU Mulheres, entidade das Nações Unidas para a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres, explica como o ambiente da política pode ser hostil para as mulheres. “Existem mulheres que teriam interesse, gostam, acompanham o tema, mas nem pensam em seguir uma carreira política, porque têm medo e vão recuar. E muitas mulheres vão desistir, como foi o caso, por exemplo, da Manuela d’Ávila, que é uma pessoa que tinha uma vida pública muito ativa, foi eleita diversas vezes, mas em algum momento decidiu seguir por outros caminhos”.
Manuela d’Ávila, ex-deputada e jornalista, conta sobre as agressões que sofreu ao longo de sua carreira e como isso a levou a se tornar ativista sobre violência política de gênero e fundadora do Instituto “E se fosse você?”.
“Todos os movimentos que eu fiz foi porque o sistema político não me protegeu. Eu não precisava ter feito nada do que eu fiz para me proteger e à minha família. Bastava que a política brasileira tivesse me protegido. Eu trabalhei quatro anos de gabinete fechado na Assembleia, sendo a deputada mais votada daquela casa. As pessoas achavam que era o quê? Que era bobagem! Os caras me esperando com arma na saída do elevador parlamentar”, relata.
Tauá Pires, diretora do Instituto Alziras, ong que visa fortalecer a presença de mulheres na política e na gestão pública, comenta que, infelizmente, os dados levantados sobre os três primeiros anos de execução da lei 14.192 não são positivos. “Dos 175 casos que foram representados pelo Ministério Público, somente 12 deles, o que representa 7%, tiveram encaminhamento. Então, a maior parte dos casos são ou arquivados ou encerrados”, conta.
A procuradora Raquel Branquinho, coordenadora do GT de Violência Política de Gênero da Vice-Procuradoria Geral Eleitoral, explica que a ideia é ter uma ampliação da lei, para também abranger a violação dos direitos das outras mulheres, que não as candidatas ou as detentoras de mandato. “Mas isso não quer dizer que todas as outras mulheres estão totalmente sem nenhuma proteção. Não estão”, afirma.
Além do Código Eleitoral, a violência política de gênero pode ser enquadrada também em outras normas, como a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), se houver relação doméstica ou familiar; Código Penal, em crimes como ameaça, injúria, difamação e coação no curso do processo (art. 344); e inelegibilidade conforme a Lei da Ficha Limpa, caso o agressor seja condenado.
Para a deputada federal, Duda Salabert, os partidos políticos têm responsabilidade em relação a essas violências. “Quando o partido político não dá estrutura adequada de recurso para que as mulheres disputem uma candidatura de forma minimamente decente e igualitária com os homens, isso é violência política de gênero. Quando a gente vê os presidentes dos partidos ou a presidência dos partidos sempre ocupadas por homens brancos e acha que isso é natural, isso não é natural, isso é também mais uma forma de violência, porque exclui as mulheres, exclui a diversidade nos espaços de decisão”.
Célia Xakriabá, também deputada federal, foi atingida por bombas de gás de pimenta lançadas pela polícia legislativa durante a marcha do Acampamento Terra Livre, em Brasília, este ano. Ela diz que “é uma violência lenta, que todo dia vai te minando, te minando, te minando, a ponto de várias mulheres incríveis desistirem da política”.
Ficha Técnica:
Reportagem: Marieta Cazarré
Apoio à Reportagem: Carina Dourado, Ana Graziela Aguiar
Reportagem cinematográfica: Rogério Verçoza
Apoio à Reportagem cinematográfica: Osvaldo Alves, Sigmar Gonçalves, André Rodrigo Pacheco, Jefferson Pastori
Auxílio técnico: Marcelo Vasconcelos
Apoio ao Auxílio Técnico: Alexandre Souza, Rafael Carvalho
Produção: Carol Oliveira e Cleiton Freitas
Edição de texto: Marieta Cazarré
Apoio à Edição de Texto: Paulo Leite e Flávia Lima
Edição de imagem e finalização: Márcio Stuckert
Arte: Aleixo Leite, Caroline Ramos e Wagner Maia
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Reportagem: Simone Feltes
Reportagem cinematográfica: Clóvis Santacatarina
Apoio a Produção: Léo Nuñez
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